terça-feira, 20 de março de 2018

IDEIAS-FORÇA PARA ESTUDANTES!

ESTA PUBLICAÇÃO TENTA TECER NOÇÕES FORTES QUE PODEM ORIENTAR JOVENS ESTUDANTES EM SUAS VIDAS ACADÊMICAS...

AVISO: de antemão alerta-se para o fato de que o presente texto possui conteúdo moral, visto que "Jamais tivemos tanta necessidade de educadores morais" (NIETZSCHE)

Considero as noções que abaixo serão explanadas como uma poderosa ideia, por isso chamo de "ideias-força", termo que tomo emprestado da escola francesa de humanidades quando o assunto é o tempo (História) e espaço (Geografia), conceito que é mais bem trabalhado no livro de Serge Cordellier, chamado "O Novo Estado do Mundo: 80 idéias-força para entrar no século XXI. Porto: Campo das Letras, 2000".     

Já há alguns anos, eu gosto de começar o Ano Letivo ou o Semestre Letivo (no caso da EJA), levando aos estudantes noções que eu penso serem bastantes importantes para a vida deles como estudantes. Trata-se de uma noção que aprendi quando da leitura da obra "Escritos sobre Educação", do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).

No livro citado, Nietzsche faz uma série de críticas acerca da Educação (Obs.: no presente texto, o termo Educação será escrito com "e" maiúsculo, para designar a "Educação de verdade", profunda, bem feita, aquilo que vai além da mera instrução; "Educar é mais que o mero instruir", já dizia Pedro Demo, em várias de suas obras) de seu tempo (séc. XIX). Várias destas reflexões são importantíssimas para nós, hoje, em pleno século XXI.

Dentre elas, eu sempre destaco uma observação muito pertinente, que Nietzsche havia notado ao praticar seu ofício de professor, a saber: as pessoas, no tempo dele, estavam muito preocupadas em estudar para entrarem em uma profissão, sendo que, muitas daquelas profissões, eram oferecidas pelo Estado (com "e" maiúsculo, para designar o "governo", o "país", a figura estatal).


Não poderia deixar de ser, pois, na Alemanha do século XIX, um século após o início da "Revolução Industrial" (iniciada, em 1750), as fábricas estavam ainda mais pujantes, as rodovias, ferrovias, cidades e obras estavam no ápice de sua construção e (re)construção. Necessitavam, assim, de mão-de-obra especializada.

Sabendo disso, o Estado alemão passou a demandar trabalhadores para estas obras, e, de sua parte, os estudantes, futuros trabalhadores que eram, passaram a estudar para serem integrados pelo Estado nas respectivas profissões necessárias: médicos, engenheiros, professores, etc., todas as profissões necessárias à sociedade que emergia, estratificava-se e se complexificava.

Nietzsche via um problema nisso. Ele constatava que este tipo de estudo não é o mais acertado, adequado, e, por assim dizer, o mais excelso modo de estudar. Isso porque quando uma pessoa se preocupa em estudar tão somente para preencher uma vaga de emprego e/ ou para "entrar" ou "ter" uma profissão, pode acontecer (e normalmente é o que acontece mesmo), de que ela estude apenas os conteúdos que são ministrados naquele curso, esquecendo-se da criticidade, da profundidade, da reflexão e do rigor, que certamente podem serem levados em consideração ou serem oferecidos por qualquer que seja o ofício profissional.


Por outros termos, de modo sumário, nas palavras de um dos maiores pensadores brasileiros quando o assunto é Educação, o sociólogo catarinense, Pedro Demo: "Educar é mais do que o mero instruir", como já foi dito, e mais: "estudar é modo de vida". 

Ou seja, um curso superior, faculdade ou ensino técnico podem me dar todas as ferramentas para que eu desenvolva, no futuro, minha profissão. Mas, ainda assim, isso não quer dizer que eu adquiri, com ele, um conhecimento mais humano, profundo, rigoroso e crítico acerca do meu fazer como profissional, qualquer que seja a área do conhecimento. Educação é mais do que instrução. Além disso, Estudar é para toda a vida. É para sempre, nunca devemos parar de pesquisar.

Outra inspiração, nesse sentido, é a que nos chega desde o livro "O Pequeno Príncipe", do escritor francês, Saint-Exupéry (1900-1944), qual seja, a de que jamais devemos abandonar uma pergunta. De fato, era isso que fazia a personagem central do livro, “O principezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse feito.”. 

Por outros termos, se pararmos de pesquisar, se pararmos de irmos atrás de nossas dúvidas, de responder as perguntas às quais nos propomos, as mesmas ficarão sem respostas, e, por conseguinte, ficaremos sem aquele conhecimento. Urge, então, que rompamos com uma certa "preguiça", atual, que é a de sempre termos tudo ao alcance das mãos. Tornemo-nos perguntadores e respondedores de nossas próprias perguntas; tornemo-nos, pesquisadores.  

Neste ponto eu sempre gosto de colocar para os alunos que as pessoas, por exemplo, vão à academia, compram perfumes e usam roupas bonitas. Fazem tudo isso, por assim dizer, para si mesmas, para estarem malhadas, bonitas, cheirosas, enfim, executam e encaram tais práticas em benefício próprio, e como um benefício que é particular e intransferível. Porém, normalmente, não consideram a Educação da mesma forma. Não buscam com a mesma avidez o conhecimento.

Relativamente a isso, é interessante de se observar, que o estudar, o pesquisar, enfim, o Educar-se de modo consciente, é superior a todos as práticas humanas acima citadas, pois, depois, podem ser, por assim dizer, transferidos, repassados para as outras pessoas, para as gerações futuras.

Nesse sentido, em uma das recentes aulas que ministrei, lembro-me da resposta de um dos alunos à pergunta "por que você estuda?". Escreveu ele, "eu estudo para ajudar a humanidade.". Note-se o altruísmo, o desprendimento do estudante. Ele poderia ter respondido que estudava para dar um futuro melhor a si mesmo ou para ajudar a família; pensado no círculo social mais imediato, ele e o próximo imediatamente ao lado. No entanto, referiu-se à humanidade. São raras as pessoas que, hoje em dia, pensam no outro antes de si mesma; a preocupação em "deixar algo" está cada vez mais rara...

Ainda nesta esteira, em meu fazer pedagógico, não raras vezes, narro, aos estudantes, o diálogo entre os prisioneiros, padre abade, Faria (que, provavelmente, foi inspirado no sacerdote, de mesmo nome, que realmente existiu) e Edmond Dantès; personagens que haviam sido condenados por motivos políticos escusos; mantidos no Castelo de If, localizado na ilha de mesmo nome, no Arquipélago do Frioul, na baía de Marselha, sul da França.

Faço isso diversas vezes porque há várias noções a serem aprendidas com o diálogo entre as personagens acima citadas, e que emergem ao longo do livro "O Conde de Monte Cristo", de Alexandre Dumas (1802-1870). Dentre elas, a que me mais me interessa, é a a noção de que tudo pode ser tirado de um homem. Ele pode ser roubado em sua dignidade, em seus bens pessoais e até perder, como no caso de Dantès, a sua liberdade. Mas, há uma coisa que não pode ser tirada de um homem, o seu conhecimento.

Outro sentido que emerge da obra de Dumas, é o da dialética (e até mesmo dialógica) entre os conceitos de liberdade e de conhecimento. Mesmo preso, Dantès pôde haurir conhecimento. O conhecimento não pode ser encarcerado entre as paredes de u
ma masmorra. O conhecimento liberta; mesmo preso um homem pode estar livre em seus pensamentos e cultivá-los. Isso, penso eu, é muitíssimo importante para pessoas que, nas palavras de nosso querido educador recifense, Paulo Freire (1921-1997), estão oprimidas pelo peso de fardos sociais e econômicos. Ou seja, não importa a sua condição socioeconômica, você pode investir em seu conhecimento, em seu estudo, e, com isso, num futuro até mesmo bem próximo, poderá (e certamente conseguirá) a libertação.

Pode parecer piegas, utópica e até romântica esta minha visão, mas, sabe-se que, hoje em dia, pode até acontecer que uma pessoa que tenha estudo não seja devidamente reconhecida, não vindo a ser bem sucedida. Mas, certamente, bem mais difícil é o caminho da pessoa que não possui Educação.

Assim, podemos conceber, e é o que realmente vemos nas notícias, uma pessoa extremamente bem formada, que passou num concurso público; tomemos um juiz, por exemplo: um juiz normalmente mostra que possui uma instruções extremamente técnica e bem feita; chegou longe em sua vida de estudos e passou em concurso público. Entretanto, pode ocorrer de ele ser corrupto, pode acontecer de ele "passar por cima" dos outros, receber propinas, emitir juízos e sentenças em interesse próprio ou para beneficiar amigos e parentes. Enfim, um juiz pode ter uma bela instrução, mas uma péssima Educação. É claro que o exemplo não se aplica somente a juízes. Podemos conceber o mesmo para professores, advogados, médicos, padres e pastores, enfim, qualquer que seja a função, por assim dizer, social de uma pessoa.

O caso diametralmente oposto também é verdadeiro, podemos conceber uma pessoa humilde e pobre; tomemos uma faxineira, por exemplo: ela pode demonstrar que não tem uma boa instrução, não foi longe em sua vida estudantil e acadêmica, e não tem como, tão somente em virtude de sua condição cultural momentânea, passar em um concurso público. Ainda assim, pode ocorrer de ela ser correta, honesta e até mesmo sábia e honrada, demonstrando uma Educação de verdade.

Neste ponto, também sempre gosto de fazer os alunos refletirem acerca de o que é o conhecimento e o que é a sabedoria. No caso do juiz, tomado como exemplo acima, ele tem, certamente, conhecimento, mas não age com sabedoria. O conhecimento que ele tem, não serve para que ele tome decisões sábias. Já a faxineira, também tomada como exemplo acima, a despeito da pouca instrução e conhecimento técnico que possui, pode, perfeitamente, orientar e aconselhar seus filhos para um futuro promissor, honesto e que muito pode acrescentar a uma sociedade. Age, assim, diferentemente do juiz, com sabedoria.

Isso é muito bem demonstrado no filme "Mãos Talentosas" ("Gifted Hands: The Ben Carson Story"), que conta a vida de Ben Carson. A mãe de Carson, a Sra. Sonya Carson, não sabia ler nem escrever, e, no entanto, soube Educar seus filhos (Ben e Curtis) para que atingissem, mesmo com todas as dificuldades socioeconômicas, respectivamente, as profissões de neurocirurgião e engenheiro.

Contudo, o filme deixa claro isso, Ben não era (aliás, o termo não "era", mas sim "é"; Benjamin Solomon Carson, que inspira o personagem do filme, é uma pessoa realsomente um médico excelente, técnico e preciso, era uma pessoa humana, gentil, amorosa e fraterna; noções que não aprendeu na Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan ou no Hospital Johns Hopkins, onde, respectivamente, estudou e cumpriu residência; emergem da Educação que aprendeu com a mãe.

Concluo dizendo que os argumentos que estou usando, podem até serem chamados, por assim dizer, de argumentos morais. Faço um alerta, no entanto: há pessoas que acusam os outros de estarem usando um argumento moral, e, com isso, querem denegrir a argumentação do interlocutor, como se isso fosse proibido ou como se este tipo de argumentação fosse inferior. Geralmente, as pessoas que fazem uso deste tipo de expediente, defendem uma educação (agora com "e" minúsculo) magra, rasa e pobre. Nas palavras de Demo: "educação pobre para os pobres". Dizem que, na escola, os professores devem se preocupar somente com o conteúdo, com a mera instrução, e tão somente com isso. Propõem que não se fale sobre a vida, sobre questões Éticas e Morais, querem proibir até mesmo questões Políticas, Sociais e Culturais.

Termino, respondendo a este tipo de proposta, de educação lixo, defendida por alguns "caras de pau", que querem mesmo é que o oprimido permaneça oprimido, com a seguinte citação de Nietzsche:

"Jamais tivemos tanta necessidade de educadores morais e jamais foi tão pouco provável encontrá-los; nas épocas em que os médicos são mais necessários, na ocasião das grandes epidemias, é então que eles estarão também mais expostos ao perigo" (NIETZSCHE, 2003, p. 146 (do livro já citado, do autor germânico)).

Espero, sinceramente, que este tipo de instrução, bem pontual e até mesmo óbvia para alguns, por mais evidente e visível que seja, transforme-se em algo que balize, como um leme, a vida dos meus estudantes, algo que os leve à verdadeira Educação.